“Tenho o dever de assumir o erro”, diz Valmir Salaro sobre o Caso Escola Base


Escrito por Nathália Carvalho
Há 35 anos no jornalismo e com reconhecidas entrevistas, o repórter Valmir Salaro não hesita ao afirmar que o Caso Escola Base foi o que mais marcou sua carreira. Com passagens por Diário do Grande ABC, Folha de S. Paulo, Jornal do Brasil e outros veículos, o jornalista está há 20 anos na TV Globo e afirma que a história trata-se de "uma ferida aberta" e que reconhecer o erro é necessário. "Talvez os profissionais mais jovens possam pegar o meu exemplo e evitar erros no futuro", disse.
salaro0205Salaro acredita que erros podem servir de exemplo para outros jornalistas (Imagem: Fapsp)Convidado para participar do seminário "O Crime e a Notícia", que aconteceu em São Paulo na última semana, Salaro conversou com a reportagem do Comunique-se sobre seu trabalho e experiência ao entrevistar suspeitos e acusados de assassinatos e outros crimes. O profissional dá dicas e conta como se prepara para as pautas.
Veja abaixo a íntegra da entrevista:
Durante sua carreira, qual a entrevista mais marcante?

A entrevista que mais marcou foi do caso da Escola Base. Entrevistei as pessoas que foram acusadas e elas negavam que tinham feito aquilo, e realmente não tinham. Até hoje, é uma história que me marcou e me marca muito. Sofri muito com isso. Não tanto quanto eles, mas sofri.
Como você vê o caso atualmente?É uma ferida aberta, que no meu caso já virou cicatriz, mas que está presente. Quando tem esses debates, jornalistas e colegas que estão começando me procuram para falar justamente sobre esse tema. Tenho o dever de falar. Muitos colegas na redação lembram que o erro não foi só meu, mas sempre digo: "cometi um erro. Eu tenho o dever de assumir".
Assumir o erro pode servir de exemplo para a nova geração de repórteres?
Os profissionais mais jovens podem pegar o meu exemplo e evitar erros no futuro, evitar acreditar fielmente em laudos, delegados, promotores. Tem que desconfiar sempre, esse é o segredo.
Se o Caso Escola Base não tivesse existido, você cometeria o mesmo erro hoje?Esses erros estão sendo cometidos quase que diariamente, mas eles não viram notícia. Vi outros colegas errarem e jogarem para debaixo do tapete. Vejo a polícia cometendo erros. Recentemente, o caso da mulher que estava grávida e foi morta no início do ano, a polícia disse que prendeu os verdadeiros assassinos agora. Só que tinha um rapaz preso no começo, que a polícia apontou como um dos assassinos. Ele tinha antecedente e parecia com o retrato falado. Isso passou discretamente. Ou a imprensa não quis reconhecer o erro, ou não sei. Ninguém divulgou que poderia ter um rapaz preso que não cometeu esse crime.
Você já conduziu diversas entrevistas com suspeitos e ou acusados. Como é esse trabalho?É difícil. Depende do caso, do ato que o entrevistado cometeu. Procuro me informar bastante sobre o que tem a respeito de acusação e também da defesa, porque dificilmente uma pessoa vai chegar à minha frente e confessar um crime. Cubro essa área há muito tempo e acho que isso aconteceu comigo somente em um caso, que foi o do torcedor corintiano de 17 anos que assumiu publicamente ter feito o disparo do sinalizador.
Quando ele assumiu a responsabilidade pelo disparo que matou o garoto Kevin...
Questionei para saber se ele estava sendo usado ou não para defender os outros presos na Bolívia. Foi a primeira pessoa que confessou um crime. Normalmente as pessoas que eu entrevisto, apesar de eu fazer as perguntas que acho pertinentes, elas acabam negando. Elas vão dar a versão delas. Elas respondem e tem na cabeça uma tese que não cometeram o crime e que vão convencer a mim e as pessoas em casa. É difícil, mas você vai tentando tirar um detalhe ou outro. O repórter também não vai ficar só no depoimento dessa pessoa. Ele é obrigado a ouvir o advogado de defesa, o promotor do caso e apresentar as provas que tem contra essa pessoa.
Como você se prepara para essas entrevistas?Vai muito do momento. Se você se preparar muito, fica uma coisa de "pergunta isso, pergunta aquilo". Na redação, se eu for entrevistar o Gil Rugai, por exemplo, todos querem saber algo. Absorvo essas perguntas e faço as minhas. O importante para o repórter é prestar atenção na resposta, pois é em cima disso que ele vai elaborar outras questões.
Quais os cuidados necessários para conduzir as conversas?Preocupo-me como se estivesse do outro lado do microfone. Procuro ser o mais respeitoso possível, pelo fato de o entrevistado confiar em mim e conceder entrevista, material que posso editar, manipular e acabar com aquela pessoa. Tenho que ter respeito e responsabilidade. Aquilo que ela me falar é o que vai para o ar. Não manipulo, não uso de maneira indevida e nem faço perguntas capciosas ou, depois, comentários em cima do que já foi gravado. Tem que ter relação de confiança entre o repórter e a pessoa que está sendo investigada, denunciada ou que realmente cometeu um crime.
Você consegue passar segurança para as suas fontes?É preciso ser honesto e buscar a verdade. Posso estar na frente de uma pessoa que realmente é inocente. Farei as perguntas que eu achar que as pessoas que estão em casa gostariam de saber. Vou confrontar e ela vai ter o direito de contestar a acusação ou até assumir parte da história. Já estive com o Gil Rugai duas vezes, ele nega o crime e mesmo assim foi condenado. Estive com o Maníaco do Parque e outros criminosos. Sei que tenho poder maior, estou com um microfone na mão, não estou sendo acusado de nada e a sociedade não está me vendo como criminoso. A pessoa merece o meu respeito por me receber e resolver falar comigo.

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