NO PALCO: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER

Por Juíza Célia Gadotti Bedin*

A porta se abre e se ouve passos apressados ... às vezes quatro, seis, oito, dez, todos adentram com um certo nervosismo e, alguns, até trêmulos. Poucos são os que chegam serenos.

Cada um traz um rascunho, uma expectativa que poderá ou não ser confirmada. O clima não deixa de ser, implicitamente, quando não, explicitamente, tenso.

Os olhares são rápidos, ríspidos, firmes e, ao mesmo tempo, inseguros.

De um lado, está ela, na maioria das vezes, magoada, ameaçada, machucada emocional e fisicamente. Muitas vezes, uma castanheira do Pará, outras, uma flor branca. Até que ela se posicione verbalmente, o corpo vai emitindo seu recado: a posição da cabeça – de um lado para o outro, ou fixa -, os ombros – caídos ou enrijecidos- os braços – em regra, sem movimento -, as mãos – aflitas-, e até mesmo, os lábios, orquestram-se para iniciar a apresentação que não pode ter falhas, afinal a sua integridade física e emocional está em jogo.

Do outro lado, está ele, apreensivo, preparado para contracenar e tentar derrubar todas as teses que possam surgir. Embora inseguro, por saber que ela é dona desse palco, ele também se preparou para a apresentação, afinal, ele é o antagonista.

Antes de abrir as cortinas, um bom diálogo de acolhida faz com que os atores fiquem um pouco à vontade. Há que se quebrar a tensão instaurada apenas pela presença feminina e masculina, que, em grande parte, estavam sem se ver há dias, desde o fatídico episódio que gerou o enredo secundário.

Neste momento, não há rigidez nas regras procedimentais, aliás, muitas vezes, elas são criadas para aquele momento, para aquela situação. O grande princípio que impera é o bom senso, juntamente com a dignidade de cada um, seja mulher ou homem.

Posicionados, então, a trama é relembrada. Aos poucos, entram em cena, com cuidado, dando espaço, primeiro, para que ela esvazie de sua memória-arquivo, toda a dor. Dor esta, perceptível no tom da voz, no mexer das mãos, nos olhos lacrimejantes, e, no coração, muitas vezes, sangrando, ainda, de paixão!

Está, ela, ali, em busca de proteção, almejando, ora a distância definitiva daquele que só lhe causou mal, ora, numa contradição cristalina, a retomada da relação.

O olhar....ah! se ele conseguisse fazer a leitura dos olhos dela, saberia que falhou, quando o que ela mais queria era que ele tivesse acertado, saberia que por detrás do aparente ódio, existe um amor coberto apenas por uma fina camada de poeira.

No entanto, como a cena tem que prosseguir, chega a vez dele se apresentar, e, ele vem, às vezes falante, agitado, outras, quase calado e arrependido.

O corpo, novamente chama a atenção, não importa quão forte seja, fisicamente, o que está ali é um homem tentando dar o melhor de si, para justificar o inexplicável: a violência/ameaça feita à mulher. Para alguns, contumazes, estes atos já fazem parte do dia-a-dia. Para outros, se não tivessem agido no impulso e, principalmente, se tivessem tido tempo para se auto-conhecerem, estes atos não ocorreriam, jamais.

Às vezes, os papéis se invertem e ele passa a ser o protagonista, visivelmente derrotado, numa relação idealizada, apaixonado, ainda, tenta até o fim, segurar a água com as próprias mãos.

Ambos, estão ali, contrariados, foram praticamente forçados a subir ao palco sem ter chance de fazer um curso preparatório.

Nesse embate, as cortinas terão que se fechar, porque novos atores aguardam ansiosos para subir ao palco. E, nesse palco, nós, aplicadores do direito, somos a pequena plateia, com a dificílima missão de saber aplaudir, para que eles retornem ao enredo original de suas vidas, juntos ou separados, mas com nova trilha sonora.

* Dra. Célia Gadotti Bedin é juíza substituta da Vara de Violência Doméstica de Santarém, 
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