Resistentes, mulheres Munduruku lutam por espaço político

Por Lilian Campelo
A primeira guerreira Munduruku foi Wakoburun. Ela foi uma justiceira, teve muita coragem ao resgatar a cabeça do irmão morto em batalha. A história dela integra a vida de outras mulheres da etnia, como Alessandra Korap e Ana Poxo, do povo Munduruku do baixo e alto Tapajós, no Pará. No entanto, ocupar cargos de lideranças exigiu delas primeiro vencer o preconceito.
Alessandra Korap tem 34 anos. É o que informa a carteira de identidade. Mas a relação com o tempo é diferente para os indígenas, o que não os impedem de acompanhar as transformações tecnológicas.  Sempre que pode Alessandra utiliza as redes sociais para mobilizar e dar visibilidade à luta pela defesa do seu território. Seu celular no mundo dos brancos é sua flecha.
“Não existia mulher liderança. Eu participei muitas vezes de reuniões, a mulher ficava do lado de fora, ficava ali com o seu filho ouvindo a decisão do cacique”.
Ela recorda sem deixar transparecer na fala o peso das palavras. Ao conversar com a reportagem do Brasil de Fato sobre como é ser liderança e mulher indígena ela conta que no início não foi fácil, mas hoje muita coisa mudou.

“Eu agradeço muito aos caciques por confiarem em mim, mas ainda existe muito preconceito com as mulheres. (…). Eles não acreditam que a mulher possa ter um espaço, mas a gente está indo e tendo esse espaço nas assembleias. (…). A mulher não tinha direito de falar e hoje elas estão tendo voz”, afirma Alessandra Korap.
A Sombra de Wakoburun
Ao mesmo tempo que ocupar o espaço político tem sido uma conquista para muitas mulheres da etnia de Alessandra e Ana, o passado permeia o presente. Wakoburun ainda assombra o imaginário dos Munduruku.
“A primeira mulher guerreira foi Wakoburun, mas ela era uma justiceira. Foi para defender e buscar a cabeça do irmão dela. Então, isso os homens ainda têm esse receio de achar que a mulher vai ser vingar. Na realidade não, as mulheres estão aqui para somar junto com os caciques, com os guerreiros e com as guerreiras”, assegura Korap.
Ameaças
Ana Poxo durante III Encontro das Mulheres Munduruku / Foto: Rosamaria Loures
Antes as mulheres e os homens cumpriam papeis diferentes dentro do território, era outro tempo. A região na qual os Munduruku vivem se tornou o epicentro de grandes empreendimentos para o setor primário-exportador na Amazônia Legal.
Foi como ocorreu com a Ana Poxo, atual coordenadora do Movimento Munduruku Ipereg Ayu. Ela se tornou uma liderança para defender o modo de vida do seu povo contra as ameaças de Belo Monte. A primeira ocupação que Ana participou com outras diversas etnias indígenas foi no canteiro de obras da hidrelétrica. Na época, Ana teve que deixar seu filho com a mãe.
“Eu deixei meu filho com um ano e três meses. Ele sofreu muito. Quem cuidou foi a minha mãe e o meu pai. Quando eu voltei chorei muito. A minha mãe nunca reclamou. Ele [filho] sabe que fui defender o nosso rio”.
Conquistas
Durante a entrevista, duas amigas de Alessandra e Ana se aproximam para cumprimentá-las. São indígenas da etnia Rikbaktsa, do Mato Grosso. Abraços alegres e falas risonhas enchem o reencontro.
 – Vou levar você para minha aldeia – diz uma das amigas, Domingas Rikbaktsa
– Hi… eu vou dá trabalho – responde Alessandra em meio a risos e completa,
– Essas mulheres aqui é que me dão força. É ver os meus filhos terem orgulho da gente.
Encontro com a amiga indígena Domingas Rikbaktsa / Foto: Lilian Campelo
E todas sinalizam com a cabeça concordando com ela. Entre uma conversa e outra a amiga fala que a Alessandra é um exemplo para ela e outras mulheres indígenas, e pergunto: porque ela seria?
“Quando ela chegou lá [aldeia] estava com aquela energia pra falar. Essa daí é uma mulher guerreira [pensou]. Porque nós [mulheres] Rikbaktsa era difícil sair, nós estamos saindo pouco, devagar a gente está saindo”.
Alessandra completa e fala que antes as mulheres Munduruku só podiam sair se estivessem acompanhadas dos maridos. “Hoje não, as mulheres estão saindo sozinhas. A Leusa (outra liderança Munduruku) às vezes sai só, eu mais saio só”, fala em tom de brincadeira e ri novamente.
A fala de Alessandra deixou curiosa a amiga Rikbaktsa:
– E seu marido hoje fica em casa?
- Fica, mas no começo não aceitava que eu saísse – e narra como uma história em quadrinhos as lembranças da conversa que teve com ele.
“Os caciques me escolheram para ser chefe das guerreiras do médio Tapajós. É bom a gente sair de casa, vai conhecendo outras pessoas, outras lutas, que a luta não fica só, a gente tem luta em outros lugares, é bem amplo, é grande. E comecei a sair: uma, duas; passei quase uma semana fora de casa. Um dia ele chegou assim pra mim”
 – Eu quero conversar com você
– Tá bom [responde alto]. E eu penteando o meu cabelo.
– Tu já percebeste que teus filhos estão abandonados!
– Mas por que que eles estão abandonados?
– Tu tá viajando muito, não para mais em casa, tu tem que decidir
- Aí eu parei de pentear os cabelos. Olhei assim pra ele e disse: as crianças tem pai, tem avó, tem tios, tem tia, mas por que tão abandonadas? Os caciques confiam em mim, colocaram como mulher guerreira, tu não estás confiando em mim – ele ficou me olhando – se tu não confias, porque ainda está em casa?
Depois dessa conversa Alessandra contou que o marido compreendeu o papel que ela desempenhava e passou a apoiá-la na luta. “Hoje ele me apoia. Quando estou em Itaituba quando digo que vamos ocupar ele larga o serviço dele e vai junto, sempre está me acompanhando”. 

Fonte: Brasil de Fato

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